Artigo de opinião de Ana Cristina Santos no Jornal Açoreano Oriental.
O que significa envelhecer? Em bom rigor, o processo de envelhecimento inicia-se a partir do momento em que nascemos. A cada aniversário, celebrado de forma efusiva ou discreta, reconhecemos que mais um ano nos aconteceu com tudo o que essa passagem de tempo representa no nosso percurso individual, mas também coletivo, seja ele a nível familiar, comunitário ou profissional. À medida que vamos acumulando anos aprendemos muitas coisas: que o corpo se transforma, que ganhamos sabedoria ao mesmo tempo que perdemos elasticidade (e porventura paciência), mas sobretudo que a perceção que as outras pessoas têm sobre nós vai mudando, dando-nos uma indicação evidente de que atingimos uma nova etapa da vida. E se as crianças e jovens sofrem com o chamado adultismo – preconceito que menoriza as suas vozes e experiências –, as pessoas mais velhas são alvo frequente do idadismo, uma outra forma de discriminação associada à idade e que desqualifica quem é considerado “demasiadamente” velho para um determinado cargo profissional ou papel social. Trata-se de um processo muito subtil e subjetivo. Afinal onde fica a linha de corte sobre o antes e o depois, e quem a determina? A partir de quando se é demasiadamente adulto para se ser mãe ou pai, profissional de saúde, docente ou jornalista? A partir de que idade se torna socialmente ilícito ou culturalmente incómodo apaixonarmo-nos? Estas são algumas das indagações subjacentes a dois estudos em curso no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra – os projetos REMEMBER e TRACE –, ambos centrados na diversidade no envelhecimento. Como forma de contrariar o estigma da velhice em sociedades pouco habituadas a valorizar os múltiplos recursos decorrentes do tempo maduro, te- mos testemunhado aquilo que se designa por envelhecimento ativo, frequentemente associado a medidas de estímulo à mobilidade, ao convívio e ao usufruto do espaço público. É nessa linha que se inserem as sessões de hidroginástica e excursões cofinanciadas pelos municípios, as universidades seniores e demais iniciativas que procuram agregar pessoas acima dos 60 anos, contrariando o isolamento e a solidão que afeta maioritariamente este setor geracional. E se todas estas iniciativas trazem benefícios evidentes a quem delas pode usufruir, há um setor populacional que permanece esquecido nas medidas direcionadas ao bem-estar na velhice. Refiro-me às pessoas com mais de 60 anos cuja orientação sexual ou identidade de género difere da maioria e que, por razões de preconceito, foram discriminadas ao longo da vida, para chegarem agora a um tempo em que as leis finalmente justas não encontram correspondência nas práticas ainda discriminatórias, muito ancoradas na expetativa de um percurso de vida heterossexual. Com o envelhecimento não se perde a capacidade para os afetos, nem o direito a amar e ser amado. Esta constatação evidente, e que acarreta consequências ao nível do bem-estar psicossocial, tem que abranger todas as pessoas incluindo pessoas lésbicas, gays, bissexuais ou trans acima dos 60 anos. Mas não basta constatar esse direito em abstrato. Há que concretizá-lo em medidas que se traduzam numa mudança de práticas para que a diversidade sexual e de género na velhice seja visível e respeitada no quotidiano, com naturalidade, sem que isso desencadeie qualquer tipo de celeuma. Estas medidas urgentes (porque tardias) passam por formação a futuros e atuais profissionais nas áreas da gerontologia e geriatria, sessões de informação voltadas para estruturas de apoio e convívio na velhice, módulos temáticos nas universidades seniores e campanhas de sensibilização da população em geral. Falamos de pessoas que sobreviveram a um tempo duríssimo em que, durante toda a ditadura e até 1982, a homossexualidade era considerada crime punível até dois anos de prisão. Falamos dos nossos avôs, avós e de quem lhes precedeu. Não podemos continuar a ser cúmplices desse sofrimento que se traduz no silêncio por medo, estigma ou vergonha. Saibamos promover um envelhecimento ativo inclusivo da diversidade, desmontando preconceitos e contribuindo para sociedades seguras, justas e verdadeiramente democráticas.